sábado, 28 de março de 2009

O URSO E A PANELA

Certa vez um urso faminto perambulava pela floresta em busca de alimento. A época era de escassez, porém seu faro aguçado sentiu o cheiro de comida e o conduziu a um acampamento de caçadores. Ao chegar lá, o urso, percebendo que o acampamento estava vazio, foi até a fogueira ardendo em brasas e dela tirou uma panela de comida, abraçou-a com toda a sua força e enfiou a cabeça dentro, devorando tudo. Enquanto abraçava a panela, começou a perceber algo lhe atingindo. Na verdade, era o calor da tina...
Ele estava sendo queimado nas patas, no peito e por onde mais a panela encostava. O urso nunca havia experimentado aquela sensação e, então, interpretou as queimaduras pelo seu corpo como uma coisa que queria lhe tirar a comida. Começou a urrar muito alto. E, quanto mais alto rugia, mais apertava a panela quente contra seu imenso corpo. Quanto mais a tina quente lhe queimava, mais ele apertava contra o seu corpo e mais alto ainda rugia.
Quando os caçadores chegaram ao acampamento, encontraram o urso recostado a uma árvore próxima à fogueira, segurando a tina de comida. O urso tinha tantas queimaduras que o fizeram grudar na panela e, seu imenso corpo, mesmo morto, ainda mantinha a expressão de estar rugindo.
Moral: Quando terminei de ouvir esta história de um mestre, percebi que, em nossa vida, por muitas vezes, abraçamos certas coisas que julgamos ser importantes. Algumas delas nos fazem gemer de dor, nos queimam por fora e por dentro, e mesmo assim, ainda as julgamos importantes. Temos medo de abandoná-las e esse medo nos coloca numa situação de sofrimento, de desespero. Apertamos essas coisas contra nossos corações e terminamos derrotados por algo que tanto protegemos, acreditamos e defendemos.
Para que tudo dê certo em sua vida, é necessário reconhecer, em certos momentos, que nem sempre o que parece salvação vai lhe dar condições de prosseguir. Tenha a coragem e a visão que o urso não teve. Tire de seu caminho tudo aquilo que faz seu coração arder. Solte a panela!

quinta-feira, 26 de março de 2009

ORDEM E AMOR

O amor preenche o que a ordem abarca.
O amor é a água, a ordem é o jarro.
A ordem ajunta,

o amor flui.
Ordem e amor atuam juntos.
Como uma linda canção obedece às harmonias,

assim o amor obedece à ordem.
Assim como o ouvido dificilmente se acostuma
às dissonâncias, mesmo quando são explicadas,
assim também nossa alma dificilmente se acostuma
ao amor sem ordem.
Muita gente trata essa ordem

como se ela fosse uma opinião
que se pode ter ou mudar à vontade.
Contudo, ela nos preexiste.

Ela atua, mesmo que não a entendamos.
Não é inventada, mas encontrada.
É por seus efeitos que a descobrimos,
Como descobrimos o sentido e a alma.

Bert Hellinger

quarta-feira, 25 de março de 2009

IDEIA ROUBADA

"Roube. Nada é original. Roube de qualquer lugar que resulte em inspiração ou incendeie sua imaginação. Devore filmes antigos, filmes novos, música, livros, pinturas, fotos, poemas, sonhos, conversas, arquitetura, pontes, placas de rua, árvores, nuvens, luz e sombras. Escolha para roubar apenas coisas que falem diretamente à sua alma. Se fizer isso, seu trabalho (e furto) será autêntico. A autenticidade é inestimável. A originalidade não existe. Não se dê ao trabalho de ocultar seu roubo - celebre-o se quiser."

Roubei isto de Jim Jarmush.

sexta-feira, 20 de março de 2009

A LUA QUE NÃO DEI

Compreendo pais - e me encanto com eles - que desejariam dar o mundo de presente aos filhos. E, no entanto, abomino os que, a cada fim de semana, dão tudo o que filhos lhes pedem nos shoppings onde exercitam arremedos de paternidade. E não há paradoxo nisso. Dar o mundo é sentir-se um pouco como Deus, que é essa a condição de um pai. Dar futilidades como barganha de amor é, penso eu, renunciar ao sagrado.
Volto a narrar, por me parecer apropriado à croniqueta, o que me aconteceu ao ser pai pela primeira vez. Lá se vão, pois, 45 anos. Deslumbrado de paixão, eu olhava a menina no berço, via-a sugando os seios da mãe, esperneando na banheira, dormindo como anjo de carne. E, então, eu me prometia, prometendo-lhe: "Dar-lhe-ei o mundo, meu amor." E não lho dei. E foi o que me salvou do egoísmo, da tola pretensão e da estupidez de confundir valores materiais com morais e espirituais.
Não dei o mundo à minha filha, mas ela quis a Lua. E não me esqueço de como ela pediu, a Lua, há anos já tão distantes. Eu a carregava nos braços, pequenina e apenas balbuciante, andando na calçada de nosso quarteirão, em tempos mais amenos, quando as pessoas conversavam às portas das casas. Com ela junto ao peito, sentia-me o mais feliz homem do mundo, andando, cantarolando cantigas de ninar em plena calçada. Pois é a plenitude da felicidade um homem jovem poder carregar um filho como se acariciando as próprias entranhas. Minha filha era eu e eu era ela. Um pai é, sim, um pequeno Deus, o criador. E seu filho, a criatura bem amada.
E foi, então, que conheci a impotência e os limites humanos. Pois a filhinha - a quem eu prometera o mundo - ergueu os bracinhos para o alto e começou a quase gritar, assanhada, deslumbrada: "Dá, dá, dá..." Ela descobrira a Lua e a queria para si, como ursinho de pelúcia, uma luminosa bola de brincar. Diante da magia do céu enfeitado de estrelas e de luar, minha filha me pediu a Lua e eu não lha pude dar.
A certeza de meus limites permitiu, porém, criar um pacto entre pai e filhos: se eles quisessem o impossível, fossem em busca dele. Eu lhes dera a vida, asas de voar, diretrizes, crença no amor e, portanto, estímulo aos grandes sonhos. E o sonho da primogênita começou a acontecer, num simbolismo que, ainda hoje, me amolece o coração. Pois, ainda adolescente, lá se foi ela embora, querendo estudar no Exterior. Vi-a embarcar, a alma sangrando-me de saudade, a voz profética de Kalil Gibran em sussurros de consolo:
"Vossos filhos não são vossos filhos, mas são os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma. Eles vêm através de vós, mas não de nós. E embora vivam convosco, não vos pertencem. (...) Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas."
Foi o que vivi, quando o avião decolou, minha criança a bordo. No céu, havia uma Lua enorme, imensa. A certeza da separação foi dilacerante. Minha filha fôra buscar a Lua que eu não lhe dera.
E eu precisava conviver com a coerência do que transmitira aos filhos: "O lar não é o lugar de se ficar, mas para onde voltar."Que os filhos sejam preparados para irem-se, com a certeza de ter para onde voltar quando o cansaço, a derrota ou o desânimo inevitáveis lhes machucarem a alma. Ao ver o avião, como num filme de Spielberg, sombrear a Lua, levando-me a filha querida, o salgado das lágrimas se transformou em doçura de conforto com Kalil Gibran: como pai, não dando o mundo nem Lua aos filhos, me senti arqueiro e arco, arremessando a flecha viva em direção ao mistério.
Ora, mesmo sendo avós, temos, sim e ainda, filhos a criar, pois família é uma tribo em construção permanente. Pais envelhecem, filhos crescem, dão-nos netos e isso é a construção, o centro do mundo onde a obra da criação se renova sem nunca completar-se. De guerreiros que foram, pais se tornam pajés. E mães, curandeiras de alma e de corpo. É quando a tribo se fortalece com conselheiros, sábios que conhecem os mistérios da grande arquitetura familiar, com régua, esquadro, compasso e fio de prumo. E com palmatória moral para ensinar o óbvio: se o dever premia, o erro cobra.
Escrevo, pois, de angústias, acho que angústias de pajé, de índio velho. A nossa construção está ruindo, pois feita em areia movediça. É minúsculo o mundo que pais querem dar aos filhos: o dos shoppings. E não há mais crianças e adolescentes desejando a Lua como brinquedo ou como conquista. Sem sonhos, os tetos são baixos e o infinito pode ser comprado em lojas. Sem sonhos, não há necessidade de arqueiros arremessando flechas vivas.
Na construção familiar, temos erguido paredes. Mas, dentro delas, haverá gente de verdade?
Cecílio Elias Netto
escritor e jornalista

SABEDORIA INDÍGENA

Diz a sabedoria indígena que quando não cumprimos o que prometemos, o fio de nossa ação, que deveria estar concluída e amarrada em algum lugar, fica solto ao nosso lado. Com o passar do tempo, os fios soltos enrolam-se em nossos pés e impedem que caminhemos livremente. Ficamos amarrados às nossas próprias palavras. Por isso os nativos têm o costume de "por-as-palavras-a-andar", que significa agir de acordo com o que se fala; isso conduz à integridade entre o pensar, o sentir e o agir no mundo e nos conduz ao Caminho da Beleza onde há harmonia, equilibrio, verdade e abundancia naturais.

sábado, 14 de março de 2009

Assim Falou Zaratustra

O presente e o passado na terra -- meus amigos! Eis para mim, a coisa mais intolerável; e eu não conseguiria viver se não fosse ao mesmo tempo um vidente do que deve fatalmente acontecer.
'Um vidente, uma vontade, um criador, um futuro e uma ponte para o futuro... e -- oh!, sorte! -- de certo modo também um doente que se encontra nesta ponte.
'Caminho entre os homens como entre fragmentos de futuro, desse futuro que contemplo. E tudo o que faço e me proponho a fazer destina-se a realizar e a reunir numa única coisa o que está fragmentado e tudo o que é enigma e acaso cruel.
'E como aceitaria eu ser homem, se o homem não fosse também poeta e decifrador de enigmas e o redentor do acaso!
'Libertar os homens passados e transformar todos os 'Aconteceu' em 'Foi assim que eu quis' -- eis o que, antes de qualquer coisa chamo redenção.

Nietzsche

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